junho 2011

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Sobre gestos que fazem o tempo se estilhaçar


"Nas horas acordadas ela fechava os olhos, e não dizia nada, e sabia que ele estava ali, no meio dos outros, e ela punha mentalmente o dedo indicador cruzado sobre seu próprio sorriso (secreto) pedindo que tudo se calasse, porque assim já estava bem, porque assim já era o bastante. Porque qualquer gesto faria o tempo se estilhaçar como cristal.” (Adriana Lisboa in: Caligrafias. Ed. Rocco, p. 50) 

Sobre ter o pavor de ousar


"Perguntou ainda para onde estavam indo. Para que lado do mundo, que mares, mas o fez como uma criança, uma menina teimosa, uma menina inconveniente também. Como se tivesse direito de saber. Depois deteve-se, apavorada por ter ousado." (Marguerite Duras in: Emily L. Ed. Nova Fronteira, p. 27)

Sobre desejos extraviados


"Não há desejos intransitivos - mas há desejos equivocados, perdidos, extraviados, desejos que nos atravessam sem nos tocarem. Fui desejada sem o saber - soube-o sempre depois - por homens que até poderia ter desejado, se o soubesse antes. Pensava noutras coisas. Os homens veem o desejo como as mulheres veem a culpas - como uma coisa com braços e pernas e rosto e olhos, imediata." (Inês Pedrosa in: Os íntimos. Ed. Alfaguara, p.135)

Sobre sombras que se agitam


“(...) permanecer assim, entregue a esta alegria dolorosa de se agitar dentro do sofrimento sem formas. Havia uma perversidade no tempo em conservar depositadas essas sombras incolores que se agitavam de repente no fundo da memória.” (Lúcio Cardoso in: A luz no subsolo. Ed. Brasiliense, p. 54) 

Sobre a noção de si mesma


“A questão é que algumas vezes ela tentava pensar no passado e não conseguia. Não conseguia identificar uma noção contínua de si mesma. A noção de tinha de si parecia estar espalhada em vários pedaços à sua volta, como as peças da boneca russa de Dora depois que todas as bonecas menores haviam sido retiradas." (Rachel Eusk in: Arlington Park. Ed. Record, p. 138) 

Sobre o tempo



“Reduzi tanto meus sonhos, minhas fantasias, minhas esperanças. Ando espantado com o Tempo. O tempo é a única coisa terrível que existe. O tempo que passa e leva de arrasto, aparentemente aleatório, a juventude nossa e dos outros. Não é amargo, é apenas real. (Caio F.)” (DIP, Paula. Para sempre teu, Caio F. p. 228. Rio de Janeiro: Record, 2009)

Sobre o amor mal recompensado


"Erika ainda está um pouco atordoada de sono e não sabe como é possível que o amor seja tão mal recompensado, especialmente o seu amor. Sempre esperamos por recompensas pelos nossos serviços. Acreditamos que o que os outros fazem não precisa ser recompensado; esperamos que eles o façam bem barato." (Elfriede Jelinek in: A pianista. Ed. Tordesilhas, p. 300) 


Sobre a excessão da reciprocidade amorosa


"Que alívio! Afinal de contas, a reciprocidade amorosa é uma excessão, pois na maioria das vezes só um ama enquanto o outro está ocupado em fugir para tão longe quanto for capaz. Para isso são necessários dois, e um deles acaba de telefonar ao outro, que sente a mesma coisa. Não é uma beleza?" (Elfriede Jelinek in: A pianista. Ed. Tordesilhas) 

terça-feira, 21 de junho de 2011

domingo, 19 de junho de 2011

Sobre o que é ser chique


Por Gloria Kalil

Nunca o termo "chique" foi tão usado para qualificar pessoas como nos dias de hoje.
A verdade é que ninguém é chique por decreto.
E algumas boas coisas da vida, infelizmente, não estão à venda. Elegância é uma delas.
Assim, para ser chique é preciso muito mais que um guarda-roupa ou closet recheado de grifes famosas e importadas.
Muito mais que um belo carro Italiano.
O que faz uma pessoa chique, não é o que essa pessoa tem, mas a forma como ela se comporta perante a vida.
Chique mesmo é quem fala baixo.
Quem não procura chamar atenção com suas risadas muito altas, nem por seus imensos decotes e nem precisa contar vantagens, mesmo quando estas são verdadeiras.
Chique é atrair, mesmo sem querer, todos os olhares, porque se tem brilho próprio.
Chique mesmo é ser discreto, não fazer perguntas ou insinuações inoportunas, nem procurar saber o que não é da sua conta.
É evitar se deixar levar pela mania nacional de jogar lixo na rua.
Chique mesmo é dar bom dia ao porteiro do seu prédio e às pessoas que estão no elevador.
É lembrar-se do aniversário dos amigos.
Chique mesmo é não se exceder jamais!
Nem na bebida, nem na comida, nem na maneira de se vestir.
Chique mesmo é olhar nos olhos do seu interlocutor.
É "desligar o radar", o telefone, quando estiver sentado à mesa do restaurante, prestar verdadeira atenção a sua companhia.
Chique mesmo é honrar a sua palavra, ser grato a quem o ajuda, correto com quem você se relaciona e honesto nos seus negócios.
Chique mesmo é não fazer a menor questão de aparecer, ainda que você seja o homenageado da noite!
Chique do chique é não se iludir com "trocentas" plásticas do físico quando se pretende corrigir o caráter: não há plástica que salve incompetência, mentira, fraude, grosseria, agressão, intolerância, ateísmo, falsidade.
Mas, para ser chique, chique mesmo, você tem, antes de tudo, de se lembrar sempre de o quão breve é a vida e de que, ao final e ao cabo, vamos todos terminar da mesma maneira, mortos sem levar nada material deste mundo.
Portanto, não gaste sua energia com o que não tem valor, não desperdice as pessoas interessantes com quem se encontrar e não aceite, em hipótese alguma, fazer qualquer coisa que não lhe faça bem, que não seja correta.
Lembre-se: o diabo parece chique, mas o inferno não tem qualquer glamour!
Porque, no final das contas, chique mesmo é Crer em Deus!
Investir em conhecimento pode nos tornar sábios... mas, Amor e Fé nos tornam humanos!

domingo, 5 de junho de 2011

Sobre a tristeza que não deixa vestígios



"- Sabe o que eu acho? (...) Acho que as mulheres que não amamos mais e que revemos depois de anos, entre elas e nós há um abismo. É como se não fossem deste mundo, pois nosso amor não existe mais.
- Quer dizer que eu morri?
- Não. Penso apenas em todas as coisas que me torturavam e que hoje não me interessam.
- Por exemplo?
- A noite em que a vi no Champs-Elysées com um jovem. (...) Se soubesse como me senti infeliz! Eu me dizia: "Acabou! Nunca mais eu a verei."
- Acho que me lembro.
- Não tente lembrar-se. Não vale mais a pena. Isso que é terrível. É que a tristeza que pode até matar não deixa nenhum vestígio."

(Do filme: Le temps retrouvé) 

Sobre palavras que voltam


"Esqueci as palavras para dizer-lhe. Eu as sabia, e as esqueci, e lhe falo no esquecimento dessas palavras. (...) Gostaria muito de encontrar as palavras que reservei para lhe dizer isso. E eis que algumas me voltam. Eu queria lhe dizer o que acho, é que devia se guardar sempre na consciência, pronto, encontro a palavra, um lugar, uma espécie de lugar pessoal,  é isso, para estar só e para amar. Para amar não se sabe o quê, nem quem nem como, nem por quanto tempo. Para amar, eis que de repente todas as palavras me voltam... para guardar em si o lugar de uma espera, nunca se sabe, da espera de um amor, de um amor talvez ainda sem ninguém, mas disto e apenas disto, o amor. Eu queria lhe dizer que você era essa espera. Você e apenas você se tornou a face exterior da minha vida, aquela que nunca vejo, e permanecerá como esse desconhecido de mim em que se tornou..."  (Marguerite Duras in: Emily L. Ed. Nova Fronteira, p. 93-94)

Sobre nós, os felizes sobreviventes


"Já que a vida é tensão, excitação, irritação da matéria. Já que o desejo não encontra satisfação definitiva e não pára de renascer de suas satisfações efêmeras, Thanatos deseja a abolição do desejo; o retorno à matéria inanimada da qual um dia, por um acaso extremo, a vida se gerou da coesão improvável e até misteriosa, entre algumas moléculas. A vida é uma espécie de vitória sobre alguma coisa - sobre a força conservadora do inôrganico. Somos todos sobreviventes de nosssa "vontade" de morrer."

(Kehl, Maria Rita. A psicanálise e o domínio das paixões. In: Cardoso, Sérgio (org.). Os sentidos da paixão. Companhia das Letras. p. 474) 

Sobre a inadequação das lágrimas


Não choro mais lá e isto é duro. Na verdade, raramente choro agora, por saber que é inútil. Lágrimas são uma liberação e raiva ou de amargura, ou uma expressão de desespero ou de exaustão. (...) Uma vez, chorei para ter o que queria e consegui. Já chorei lágrimas de ciúmes, lágrimas de rejeição. Ah, já chorei toda a escala de lágrimas. E é só agora que me dou conta de como são inadequadas para os grandes momentos da vida."

(Josephine Hart in: Abandono. Ed. Record, p. 50) 


"Tais as palavras que eu dizia; eram o contrário de meu pensamento; eram puras palavras de conversação, como as dizemos nesses momentos em que, muito agitados para ficar a sós conoscos mesmos, sentimos necessidade, na falta de outro interlocutor, de conversar conosco, sem sinceridade, como um estranho."

(Marcel Proust in: Em busca do tempo perdido vol. 3 - O caminho de guermantes.Tradução de Mario Quintana. Ed. Globo, p. 177) 

Sobre um desejo que permanece insatisfeito


"A estrutura do desejo humano se caracteriza pela falta do objeto do desejo. Isto significa que não há nenhum objeto que possa satisfazer, completamente, um desejo. O que não implica que um desejo se realize. Se realiza sim, mas nunca por inteiro. Há sempre um resto que permanece insatisfeito. Além do que, como um falante poderia desejar sem criar uma certa expectativa sobre isto que deseja? Entre o esboçar de um desejo e a sua realização, há sempre uma certa decepção: É isto? Só isto? É exatamente isto. Não há verdadeiramente coisa alguma que venha estancar esta falta que dá origem a um sujeito."

(Nadiá Paulo Ferreira in: Ainda o amor. Eduerj, p. 38) 

Sobre a Alexandria construída para nós



"SÉRGIO – Vamos fugir para Alexandria?
LUÍSA – Eu estive em Alexandria. Foi uma decepção... não tem nada a ver com aquela Alexandria do Quarteto... 
SÉRGIO – A melhor Alexandria foi a que construímos para nós 
LUÍSA – Alguém disse essa frase no último volume... 
SÉRGIO – Eu te amo... 
LUÍSA –Por que é que você demorou tantos anos para me dizer isso? 
SÉRGIO – Eu disse, você não escutou... 
LUÍSA –Você era sempre tão ambíguo, tão sarcástico, tão agressivo... 
SÉRGIO – Eram formas canhestras de ternura, e você não percebeu... 
LUÍSA –Você tem ideia do quanto me magoou? 
SÉRGIO – Eu queria terminar com você como no filme do Carlitos... ele de mãos dadas com Paulette Godard, caminhando por uma estrada... 
LUÍSA – A gente não é tão inocente, nem tão desarmada para terminar de um modo tão perfeito... 
SÉRGIO – Ao menos você me amou? 
LUÍSA – Como nunca amei ninguém... 
SÉRGIO – Me perdoa... 
LUÍSA – O melhor, o mais surpreendente, o mais bonito, meu amigo, é a gente estar aqui e conseguir, depois de tudo, se olhar com tanta ternura..."  
(Teatro Completo - Maria Adelaide Amaral, peça: De braços abertos, p. 244, Ed. Global)