abril 2020

terça-feira, 28 de abril de 2020

Sobre o Lado B "daquela" viagem à Ilha Grande


Eu tenho encontrado nas minhas reminiscências (ui, que rebuscada) uma forma terapêutica de lidar com a tensão dessa pandemia. E com certo sucesso.

Nesta noite, apoiando inocentemente este processo, minha amiga @giselecalderon me enviou um vídeo zuadíssimo gravado durante a viagem que fizemos juntas à Ilha Grande há 3 anos atrás. Fiquei pensando sobre qual seria o nome do distúrbio que sofremos para que ao invés de registros fotográficos bafônicos (como diz a juventude) em águas cristalinas e ouso dizer fluorescentes, tenhamos em nossos HDs vídeos como aquele, impublicáveis. Pensei muito, e não cheguei à uma conclusão satisfatória.

O fato é que, enquanto ríamos por conferência e eu me impressionava com a quantidade de percepções e besteiras que sou capaz de compartilhar em uma conversa de whatsapp, me passou pela cabeça que gente postando foto lacradora de viagem tem de monte por aí (até nós mesmas temos aquela meia dúzia que foi pro instagram depois de uns filtros). Mas o que faz a experiência ser memorável são justamente vídeos como aquele, impublicáveis (mas dos quais sempre teremos um comentário a mais a fazer).

Então, para me beneficiar da minha nova terapia e revisitar aquele feriado, resolvi escrever o LADO B dessa viagem e registrar quantas rosas faltaram naquele mar. 

- Eu começo me sentindo especial. Explico: conheci a Gi em um grupo de viagens no Facebook cerca de dois meses antes, durante um feriado tedioso que me fez decidir mudar minha vida imediatamente. Trocamos três ou quatro mensagens e resolvemos dividir um quarto em uma trip (a popular - e meio brega - excursão) para a Ilha do Mel durante o carnaval. Todos sabemos que as chances disso ter dado terrivelmente errado eram astronômicas, afinal, ela poderia ser uma psicopata (ou até onde ela sabia, eu também). Ou podíamos ser ambas muito chatas (vejam que aqui uso o advérbio de intensidade para que ninguém me acuse de não ter pontuado que sou chata, afinal não há como negar, mas não MUITO), ou frescas, ou esnobes, ou detestar carnaval (ou pior ainda: adorar). Mas eu não sei nem como começar a explicar o match e em dois meses eu sentia como se conhecesse a Gi há 10 anos. Por isso me emocionei quando em meio a tantas pessoas neste vasto mundo, ela convidou justo a mim para acompanhá-la durante os 3 dias.

- Primeiramente, não se engane. Não foi nosso espírito aventureiro que nos motivou a fazer essa viagem. Foi a inclusão de pensão completa. Se tinha passeio no pacote? Nem me me lembro. Mas ofereceram café da manhã, almoço e jantar todos os dias.

- Ao chegar em Angra dos Reis a tensão me dominou. Em minha profunda ignorância, queria embarcar na escuna o quanto antes e sair do continente. Não conseguia parar de pensar sobre o triste acidente do deslizamento que ocorreu no réveillon de 2010. Ao desembarcar na Ilha, e tendo notado algumas pedras "peladas" no morro que me causaram arrepios, aliviei minha tensão falando a respeito do meu temor com a Gi "Ainda bem que estamos na Ilha Grande, e não em Angra dos Reis". Menos de 15 minutos depois descobri que aquele morro pelado era o Morro da Carioca e estávamos hospedadas na Enseada do Bananal. Neste momento eu soube que seriam longos três dias (além de lidar com minha ansiedade, precisei controlar a língua e não comentar com meus pais ao telefone sobre o local onde estava, afinal, eles possuem um longo histórico de pedir a ajuda da polícia para fazer com que eu sempre atenda suas ligações. Mas isso é história pra outro post).

- Momento merda: durante divisão dos quartos, que sabíamos desde o início que seriam coletivos, fomos acomodadas em um com uma beliche e uma cama de casal, COM UM CASAL nela. Mas não era qualquer casal. Era O casal mais idiota do mundo. Por sorte eles não pareceram interessados em dormir tanto quanto nós estávamos (e felizmente ficaram acordados fora do quarto).

 - O dia foi amanhecendo e o sol NÃO FOI surgindo. E meu humor começou a ficar péssimo. Querendo salvar o feriado, e imaginando que nada mais poderia dar errado, Gi e eu resolvemos nos integrar com a galera. Foi quando tomamos conhecimento da tensão que havia ocorrido naquele mesmo local, com aquelas mesmas pessoas, um ano atrás (em tempo, a fofoca: aquela viagem estava sendo organizada por um casal. A parte masculina do casal usou algum tipo de tóxico forte que fez com que ele ficasse com uma menina aleatória na frente da esposa, com direito a andar de mãos dadas pela praia e tudo o mais. A esposa, vendo aquilo, jogou todas as coisas da menina aleatória na água. A menina aleatória virou a Paola Bracho e resolveu que sua missão de vida era atormentar o casal. E lá estava ela, naquela viagem, fazendo exatamente isso, e por algum motivo estranho decidiu que queria ser nossa amiga). Resumindo, além de correr do deslizamento, a gente também correu para o mais longe possível da Menina Aleatória Bracho e seus amigos, com medo de ter nossos pertences jogados na água também.


- Então, em nossa condição isolada (e em provisória segurança), aproveitávamos a brisa do mar durante o trajeto entre uma praia e outra quando mergulhei de cabeça no clima e comecei a me ressentir pra Gi sobre o fato de ser solteira à beira dos 30 anos. Enquanto minha amiga ouvia pacientemente e tentava encontrar uma solução, um rapaz simpático, garboso e típico Rei do Funk se aproximou e começou a puxar papo. Do nada, e com total liberdade (que eu obviamente não dei) me fez cafuné de um jeito sedutor (amadoh?). Minha reação foi muito natural (por motivos de: 1 - eu estava sendo eu mesma; 2 - eu não percebi as intenções do cara). Pedi que ele parasse porque estava me deixando com mais sono do que eu já sentia (acho que também mencionei ter recordado de que, na infância, minha avó me fazia cafuné na hora de dormir). O confiante e corajoso rapaz ainda fez um elogio (que desconfio não ter sido sincero) ao meu sorriso, que na época era amarrado por um aparelho fixo. De imediato comecei a discorrer sobre os problemas de alinhamento dos meus dentes e todo o trabalho que aqueles ferros demandavam (em especial os relacionados à prevenção ao tártaro e outras coisas nojentas que podem ser encontradas dentro de uma boca). Aquele foi o fim da conversa. Também foi a última conversa que tivemos.

- Foi em uma de nossas paradas na Praia de Lopes Mendes, desejosas de uma foto nas pedras, que iniciamos uma manobra: a de procurar pessoas com nosso biotipo e calcular as chances de se dar mal em uma empreitada roots com base na observação do comportamento dos outros. Resultado: não temos nenhuma foto nas pedras. Mas também não passamos vergonha (as chances eram altas).

- Foi também na Praia de Lopes Mendes que nos afeiçoamos muito à uma moça que estava na trip, a fotógrafa. Nossa amizade, no entanto, durou pouco, especificamente até o momento em que voltamos ao barco e ela foi ao banheiro. Saiu de lá com uma tira de papel higiênico presa na bunda. Não tivemos coragem de contar e ela percorreu a escuna toda fotografando as cerca de 40 pessoas com aquele rabinho branco pendurado e balançando ao sabor do vento. 

- Ainda na Praia de Lopes Mendes pegamos ranço de um cara que passou a viagem toda usando uma máscara de cabeça de cavalo e falando coisas sem sentido (que faziam menos sentido ainda porque a máscara não nos deixava entender muito bem o que ele dizia). Por motivos que não sei explicar, revendo os registros fotográficos e de vídeo que fizemos, encontrei pelo menos 5 arquivos dele. Seria o início de algum tipo de sentimento persecutório? Deletei todos (mentira, deixei um pra recordação).

- Segundo dia nublado na Ilha. Das 07h às 23h tudo o que fiz foi reclamar dos R$ investidos naquela viagem. A única beleza que eu conseguia enxergar era "o verde da água do mar, mesmo com o tempo nublado. Olha isso. Não é um verde de lodo. É verde mesmo com o tempo fechado, e Meu Deus, imagina isso tudo num dia de sol". E repete. Ad eternum. 

- Na segunda noite na Ilha rolou a festa de aniversário da agência. Era uma confusão de funk, músicas da Xuxa, cabeças de cavalo e pessoas muito maquiadas (enquanto eu usava meu reconfortante moletom velho e desbotado porque o medo de acabar embaixo de um possível deslizamento me dava calafrio - e digo corajosamente que também afetava meu intestino). Mas uma caipirinha de maracujá superfaturada, milhares de docinhos de aniversário e o remix de 30 segundos de B.Y.O.B. (que eu não faço ideia do que estava fazendo no meio daquela playlist) me ajudaram na integração. No final da festa, até tentei cantar algumas letras (mas não sem protestos) e dancei.

- Ok, não foi no final da festa.

- Ok, não foi exatamente uma dança.

- O que aconteceu realmente: por volta das 22h, já com muito sono, e com a barriga cheia de pinga e cajuzinhos, Gi e eu começamos a bocejar e recostar na parede. Foi quando a parte masculina do casal (mencionada alguns parágrafos acima) nos ameaçou dizendo que se continuássemos sentadas, ia nos arrastar até a pista de dança, especificamente para o meio da rodinha. Imediatamente levantamos e começamos a nos mexer (claramente acreditando que o que fazíamos era dançar). E no meio da confusão, sem sermos notadas, fomos dançando de volta para o quarto. ZZZzzzzZZzzzZzz.



- No terceiro e último dia, o que finalmente amanheceu com o revoltante sol mais lindo de todo o feriado, quando já tínhamos as forças esgotadas e uma pequena centelha de otimismo começando a aumentar em razão da perspectiva de voltarmos para casa, saímos para a última aventura da Ilha Grande e por motivos que desconhecemos, nos pareceu uma boa ideia puxar um coro de "Meu Bem Querer" do Djavan com a galera da escuna, o que nos rendeu registros fotográficos estranhos (como este).

- Já no retorno à São Paulo, famintas (sim, mesmo tendo usufruído do buffet no café da manhã, almoço e jantar, além dos sacolés antes do retorno para o continente, quando fizemos questão de experimentar todos os sabores disponíveis na barraquinha), e com uma necessidade enorme de obter algum consolo e conforto, resolvemos investir em um jantar no Graal. E por R$ 21,90 conseguimos desfrutar de um incrível banquete de uma coxinha e um suco ácido (mais um lamento: pelo mesmo valor, teríamos ficado satisfeitíssimas na lanchonete de um certo palhaço aí...).

- Acordei de um cochilo no ônibus e notei que já percorríamos a Marginal Tietê. De imediato sacudi a Gi e nos preparamos para desembarcar assim que o ônibus estacionasse no terminal. Pegamos nossa bagagem e, literalmente,  corremos pela rua arrastando as rodinhas enquanto deixávamos as despedidas para trás com medo de que nos dissessem que na verdade a viagem ainda não tinha acabado.

Sobrevivemos. E estamos com saudade.

sábado, 25 de abril de 2020

Sobre o desrespeito do universo


"Digo a mim mesmo que foi um olhar de perdão. No último momento, ele sabia que eu o amava, que eu jamais quis machucá-lo.
Mas aconteceu rápido demais. Meu mundo não se moveu em câmera lenta. Às vezes me pergunto se o dele foi assim e, se foi, que última imagem eu lhe dei? (...)
E este universo desrespeitoso continuou com sua vida, como se nada de importante tivesse acontecido."

Nathan Filer in: Onde a lua não está. Rocco.


Sobre doença mental e egoísmo


"O pior de tudo é que me tornei egoísta. 
A doença mental volta as pessoas para dentro. É o que eu acho. Deixa-as para sempre presas pela dor de nossa própria mente, da mesma forma que a dor de uma perna quebrada ou um polegar cortado prenderá sua atenção, segurando-o tão firmemente que parece que sua perna boa ou seu polegar bom deixaram de existir.
Estou preso a olhar para dentro. Quase todo pensamento que tenho é sobre mim - toda essa história tem sido só sobre mim; como eu me sinto, o que penso, como eu sofri."

Nathan Filer in: Onde a lua não está. Rocco.



Sobre os desdobramentos do passado.


"Então empilho essas páginas com as demais e deixo tudo para trás. Escrever sobre o passado é uma maneira de vê-lo se desdobrar novamente. Colocamos lembranças em folhas de papel para saber que elas sempre existirão. Mas esta história nunca foi uma lembrança - é  descoberta de um jeito de se libertar. Não sei do fim, mas sei o que acontecerá em seguida. (...) É um começo."

Nathan Filer in: Onde a lua não está. Rocco.

Sobre finitude



A gente sempre acha que vai encontrar novas oportunidades. É condição humana que nunca pensemos em nossa finitude.  É necessário para que continuemos vivendo por aí, sem o temor paralisante do fim.

Passei alguns anos alimentando mágoas, encenando dramas, e pensando que tudo aquilo um dia teria fim, quando em algum momento da eternidade que me restava eu decidiria perdoar algo com que eu nem me importava mais, mas durante o arrastar do tempo já fazia parte de mim. Até que durante um choque de realidade, quando menos esperava estava à beira de um leito de UTI, implorando por mais uma noite assistindo um programa de TV do qual eu nem mesmo gostava só para ter o prazer de estar na companhia daquela que me deixava.

Sua finitude escancarou o teu valor, mas já era tarde demais pra mim.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Sobre a terceira amizade em Aristóteles


Hoje à tarde tocou "Palpite". Ouvi pela janela no rádio do meu vizinho, que tem um gosto muito refinado pra música (às vezes eu desligo meus roquenrrous pra ficar ouvindo a seleção de MPB dele, que é de fato fantástica).

Fazia tanto tempo que eu não ouvia essa música. Talvez a última vez tenha sido em 2003, quando a novela "Por amor" passou no Vale a Pena Ver de Novo, eu acho. Naquela época eu estava prestes a completar 15 anos, e tinha acabado de fazer uma amizade-pra-vida-toda.
Conheci minha amiga-irmã quando minha vida ainda se resumia à escola e igreja, logo depois de passar do posto de coroinha à catequisada e começar a andar com o grupo de xovéns. Foi mais ou menos nesta época que tive minha primeira paixão platônica avassaladora (que rende boas histórias - e constrangimentos - até hoje).

Minha amiga-irmã foi minha alma-irmã porque espelhava exatamente como eu me sentia em relação ao mundo, às pessoas, às expectativas de futuro. Uma mescla de desejos fantasiosos da vida que obviamente deveria ser maravilhosa à nossa maneira (e claro, ela o é neste futuro real, mas completamente diferente do imaginamos naquela época).

Eu me recordo claramente dos primeiros momentos que compartilhamos. Foi em uma querrrrmesse, quando descobrimos que nossos alvos de afeto eram amigos, e instantaneamente nos tornamos amigas também.

Lembro de me sentir, pela primeira vez, extremamente adulta quando fiquei na rua até mais tarde sem a supervisão dos meus pais, e que em uma dessas noites, dei meu primeiro beijo e fui correndo contar pra ela. Houve uma festa em que, ao ser abraçada por um garoto muito popular na época, eu praticamente flutuei enquanto via ela vibrando por mim. Ainda consigo sentir o cheiro das velas queimando quando me sentava ao lado dela nos bancos da igreja. Se eu me concentrar, dá pra lembrar do sabor dos lanchinhos nos retiros espirituais dos finais de semana.

Durante a semana depois da aula, nossas tardes eram dedicadas à novela "Por Amor" na sala da avó dela, enquanto registrávamos quantas vezes havíamos sido alvo dos olhares de nossos afetos. Nas tardes de sábado íamos até a famigerada locadora de vídeo e passávamos o resto da noite vendo filmes de terror na sala da minha casa. Quando finalmente chegava o domingo, as tardes muitas vezes eram usadas para compartilhar lágrimas meio escondidas frente às expectativas frustradas dos nossos amores platônicos.

Mas não foram só as lágrimas que compartilhamos: foram os amigos, as risadas, os bilhetinhos à mão, os diários. Foi o orgulho quando nos perguntaram se éramos irmãs, e ao respondermos que éramos amigas há mais de 10 anos, sorriram e disseram que então éramos irmãs sim. Foi também o sentimento frequente de que éramos muito diferentes das pessoas à nossa volta e nunca nos encaixamos perfeitamente no lugar onde estávamos inseridas. Foi a vontade de conhecer o mundo, de ganhar conhecimento, de obter sucesso e viver a vida como bem entendêssemos (e daí que fosse completamente diferente do que imaginamos quando éramos crianças?).

Ter compartilhado tudo isso com alguém que ecoava todos os dramas de crescer e experienciar a adolescência traz calor e saudade até mesmo dos momentos mais tristes.

Uma vez, já adulta, me confundi em relação ao que sentia por uma pessoa que conheci em uma situação muito satisfatória. A lembrança da situação feliz que compartilhei com tal pessoa me fez associá-la à sensação de satisfação, como se a causa da felicidade fosse este indivíduo. Isso, é claro, acabou muito mal.
Em relação à minha amiga-irmã, eu acredito que tenha sido exatamente o contrário: todas as situações e lembranças só foram/ são felizes porque estavam sendo compartilhadas com ela.

Eu lamento ter mudado. Eu lamento não ter lidado bem com algumas coisas, de ter tido pouca paciência, de ter achado que as coisas certas eram as que eram feitas à minha maneira. Queria ter podido ajudar mais, e ter feito diferença como ela fez na minha vida.

Dia desses estava lendo em um blog algo sobre a "Amizade em Aristóteles", que enumera 3 motivos pelos quais uma amizade se constrói. Ela pode se desenvolver por 1) utilidade de uma pessoa à outra, e 2) por prazer (compartilhar interesses e atividades em comum). O problema desses dois motivos é que a amizade acaba quando a utilidade ou o prazer findam. 
O terceiro motivo, no qual se baseiam as amizades mais duradouras, é a virtude de uma pessoa. "Eu gosto de fulano porque ele é bom". E este é o motivo mais "completo" porque a pessoa que é boa provavelmente também é útil e agradável.

Assim, resguardado o fato de que às vezes não temos nem ao menos contato com as pessoas com quem nos relacionamos no passado (por N motivos), o sentimento de amizade é duradouro porque é fundado na pessoa em si, em seu caráter e em sua bondade, que são imutáveis. É isso o que sinto em relação à minha amiga-irmã-da-vida-toda. Afinal, do amor ninguém foge.

Parafraseando Renato Russo "Uma menina me ensinou quase tudo o que eu sei...".

terça-feira, 21 de abril de 2020

Sobre a Tardis de lembrancinha


A quarentena me deixou um pouco nostálgica. Apesar de estar trabalhando normalmente (insatisfação detected), entrei no clima de introspecção e nesse ínterim, acabei resgatando velhos diários, e com eles velhas músicas, velhos filmes e pessoas antigas.
Tem sido bom, ouso dizer. Essa coisa de ressignificar e passar a lidar com as lembranças de uma forma diferente, e por que não dizer positiva?

Neste feriado, por exemplo, resgatei uma série antiga: Doctor Who, da qual passei a gostar tarde demais, o que felizmente me rendeu uma passagem ressignificada com um ex (claro, porque as melhores "passagens" envolvem um ex).
E este não era um ex qualquer: era um espécime original apegado à mãe, com o plus da mesada aos 20 e poucos anos (quando sugeri que ele arrumasse um emprego, a sogra respondeu que ele não precisava se preocupar em trabalhar enquanto ela estivesse viva - mamãe proverá).

Pois bem, pouco tempo antes de desistir de tentar, e sabendo que este ex era um adorador de Doctor Who, com a proximidade de um aniversário ou natal encomendei online uma miniatura da Tardis muito maneirinha (com luzes, sons, e portas que abrem e fecham) para presenteá-lo. Não aguentei: enviei o link pra que ele soubesse o que o estava a caminho e isso causou muita comoção e agradecimentos (acertei na escolha, uhu).

A Tardis chegou pelo Correio, eu embrulhei o pacote como manda o protocolo, mas antes de poder entregá-la tivemos a briga derradeira (aquela na qual fui acusada de machismo por não concordar em sustentá-lo pelo resto da vida, tal como a mãe se propôs a fazer). Terminamos.

Mas não antes de ele me cobrar a Tardis "Você nem gosta de Doctor Who, por que quer ficar com ela?".
Respondi de forma madura, obviamente "Eu compro o que eu bem entender com o dinheiro que ganho trabalhando. Caso queira uma igual, peça à sua mãe." (maduro, eu disse).
E esta foi a última vez que conversamos.

Quanto à Tardis, ficou de lembrancinha. E hoje eu gosto de Doctor Who o suficiente para merecê-la, caso alguém tenha algo a dizer.