setembro 2020

domingo, 6 de setembro de 2020

Sobre as dançarinas da Elba



Aconteceu durante as férias na Bahia no ano passado, quando fugi de São Paulo durante uma semana e desejei com todas as forças que aqueles dias passassem o mais devagar possível.

Nos últimos anos viajando, percebi que cada roteiro tem uma trilha sonora. Aquela música que toca aleatoriamente e da qual na verdade você nem gosta, mas que te revela o sentido daquele momento. A partir dali essa mesma musica adquire o poder de te despertar todos os sentimentos experienciados no passado, em qualquer ocasião em que escutá-la no futuro.

No Pará, Dona Onete me embalou no carimbó. Em Floripa foi o Queen com as canções que parecem a triste despedida do Freddie. Em Carrancas eu ouvi Charlie Brown até perceber que finalmente estava livre pra poder buscar o meu lugar ao sol. Em Ilha Grande eu pedi para os anjos cantarem por mim. Lenine foi o autor da minha trilha sonora em Bonito. E em Pernambuco, quando ele deveria tocar nos meus ouvidos, quem roubou a cena foi Tom Jobim.

Na Bahia, enquanto voltávamos para o hotel depois de visitar alguma das maravilhosas cidades vizinhas de Porto Seguro, as músicas de Elba Ramalho começaram a tocar na van e embalaram minhas memórias para onde eu sempre vou quando estou feliz e com saudade: eu fixo meus pensamentos nele. Eis o fato: lá estava Elba Ramalho cantando (na verdade, o pen drive cheio de arquivos MP3 estava) e sua voz me incentivava ao tiro de misericórdia: pegar o telefone assim que o sinal voltasse ao meu celular para enviar uma mensagem.

Aquela noite não foi boa. Eu caminhei pela Passarela do Álcool e ela me pareceu o lugar mais triste do mundo.

Aconteceu que "aparentemente" na Bahia Elba Ramalho é muito popular. E o ensolarado dia seguinte em Trancoso correu ao som, dessa vez, não da letra doída que me jogou no fundo das minhas dramáticas memórias, mas sim de um forró pé de serra rascante que fez com que eu, fã de rock n' roll desde o início da adolescência, começasse a me balançar ainda dentro da van na qual afundei na minha própria fossa menos de 24 horas antes e sentisse vontade de me apaixonar novamente, mas dessa vez por aquele desconhecido de olhos verdes que despretensiosamente passou caminhando pela beira do mar da Bahia. Estava proibido cochilar.

A explosão de vida que a voz de Elba Ramalho me causou neste dia foi potencializada quando soube que a artista tinha uma propriedade à beira-mar naquela praia, e ali era frequentemente vista. Em um impulso irresistível, minhas companheiras (que compartilhavam da mesma injeção de felicidade aplicada por Elba) e eu decidimos que encontraríamos a casa e manifestaríamos nossa gratidão/ admiração cantando e dançando frente à ela.

Em determinado momento, já sedentas por uma água de coco após a caminhada sob o sol bahiano, nos pareceu mais fácil gravar um vídeo para o Instagram e marcar o IG de Elba. Escolhemos então um banco de areia cercado de um lado pelo mar, e do outro por um igarapé, e com a camera em mãos, rodopiamos ao som do forró pé de serra daquela manhã em pelo menos 5 tentativas de gravação, que eram sempre interrompidas por uma falha na música, no enquadramento do vídeo ou na nossa própria atuação.

Foi quando, já muito próximas da versão final, notamos que éramos o alvo da atenção de um pequeno grupo que repousava do outro lado do igarapé. Eles gesticulavam, riam e em determinado momento, começaram a andar em nossa direção, o que nos permitiu perceber que tratava-se da guia do grupo e alguns outros turistas que estavam conosco. Com um pouco de vergonha e um pouco de "ninguém me conhece aqui", contamos que fazíamos uma homenagem à Elba Ramalho.

Contamos apenas para passar o resto da semana de férias sendo chamadas de "as dançarinas da Elba", vez que a guia (e o grupo) foram os mesmos na maior parte dos passeios que fizemos durante a viagem.

Tenho certeza de que Elba Ramalho jamais viu nosso vídeo.