Sobre meu azar no jogo e a vergonha alheia dos sorteados
Eu sempre detestei ter os holofotes sobre mim. Essas situações costumam me deixar extremamente desconcertada. Tanto que, quando ia aos famosos grupos de oração da igreja, sempre evitava colocar meu nome nos sorteios para levar os santinhos para casa durante uma semana e fazer todas as orações possíveis e imagináveis para abandonar minha angustiante timidez.
Recentemente, Ke-chan e eu fomos à um evento científico e meu único desejo para este dia era o de não chamar a atenção para mim (como aconteceu na edição do ano anterior, quando caí na frente de todos os presentes no salão). Por isso, logo que recebi a programação e constatei um pequeno cupom para preenchimento que me garantia concorrer a apólices de seguro, optei por deixá-lo obsoleto entre os meus papéis. É claro que fui repreendida pela Ke-chan, que riu da minha precaução, alegando que a minha falta de sorte nessas coisas jamais me concederia ser sorteada naquele dia. Mas, por via das dúvidas...
Ke-chan, ao meu lado, rabiscou o papelzinho umas quatro vezes, alterando seu número de telefone "não quero que eles fiquem me ligando pra oferecer seguro", era o que ela dizia. Me lembro de rir compulsivamene quando ela depositou na urna um pedacinho de papel frangalhado, atraindo olhares das pessoas que estavam ao redor.
Quando o evento acabou, começamos a nos movimentar para guardar materiais e partir para a rua, falando em voz alta e dando algumas discretas gargalhadas. Alguns dos presentes nos observaram com reprovação, como que indicando o início do tão esperado sorteio. Sorri, sabendo que não estava correndo riscos de natureza alguma e desta vez não precisava orar para Deus que não fosse eu a sorteada (ou seria o contrário?), afinal, o trágico destino do felizardo ganhador era dirigir-se à frente de todos os presentes, receber o pedaço de papel que simbolizava a apólice e tirar uma fotografia com os patrocinadores (me dá calafrios).
Eu continuava trocando causos com a Ke-chan quando tudo ao redor ficou em câmera lenta, principalmente a mão que levantava um dos papéis da urna. Ah sim! Também pareciam existir dois holofotes na sala, um na urna e outro apontando em nossa direção. Lentamente vimos um papelzinho frangalhado e coberto de tinta azul sair da escuridão para a visão de todos (e temi pelo nome a ser chamado, acho que até mais do que a Ke-chan). Boquiaberta, podia sentir o coração de minha fiel escudeira gritando dentro do mediastino (que dramático), como querendo de esconder na ponta dos pés. Temi pelo que aconteceria depois.
Ela foi chamada em alto e bom som no microfone e percebi minha colega tão sem reação quanto eu ao levantar-se para buscar o prêmio. Meu nervosismo era excessivo e até me esqueci de rir da cara dela e de todo o seu deboche quando disse sobre o meu azar (tão conveniente nestas ocasiões) no momento em que relutei ao participar do sorteio.
Ví a Ke-chan receber o prêmio e ser aplaudida como quem ganha um grammy. Ví minha amiga se posicionar com o patrocinador para bater a foto amarela, e a ví voltando para a seu lugar mais vermelha do que pipoca com anilina de porta de teatro (ah, adoro a pipoca com anilina de porta do teatro!) totalmente desorientada.
Lembro de me sentir muito tocada pela situação e compadecida de seu sofrimento, e recordo principalmente da minha vontade louca de tirar uma com a cara dela e perguntar "Por que você está tão vermelha, Raquel?". Ah, sim. Lembro-me do tapa que ela me deu depois disso também.
Agora a Ke-chan tem a apólice de seguro pro carro. Só falta mesmo comprá-lo efetivamente. Depois dessa experiência constrangedora, acho que ela aprendeu a lição: nunca mais participar de sorteiozinhos mequetrefe. A menos que eles resolvam dar também o dirigível (nesse caso eu depositaria TAMBÉM o meu cupom preenchido).
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