Sobre um dia ruim

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Sobre um dia ruim




Aquele não havia sido um dos seus melhores dias, apesar de toda a expectativa da volta à rotina, que, por incrível que pareça, lhe causava saudade. Além dos comentários durante o dia (que ela fingia não entender), tomou a chuva forte do final da tarde a caminho do shopping, onde encontraria a amiga que tanto lhe fazia falta (e que ficou ilhada a alguns bairros dali). Deu uma volta sozinha pelo shopping, tomou um milk shake, aproveitou a viagem para pagar a fatura do cartão. E se arrependeu pelo dinheiro gasto no mês anterior. É que ela julgava ter sido um mau investimento, pelo menos para o propósito ao qual se destinava. Mas ela usaria o vestido em outras ocasiões, sem dúvida.

Esperou a chuva acalmar e foi pra casa, já cansada e derretendo de tanto calor. Inferno de cidade. Até em verdes férias enfrentava o engarrafamento homérico de todos os dias e horários.
Sentou-se de olhos fechados durante cinco minutos antes de subir. A música no rádio era gostosa e a análise estava suspensa naquele mês - para seu alívio.
Começou a se lembrar de coisas. Lembrou-se de novo do vestido preto no armário. Lembrou-se dele. Lembrou-se que havia visto o DVD com o filme favorito dele em uma loja naquela tarde. Emergiam à memória as vezes em que ele lhe havia feito rir com piadas sem graça. Ou quando eles paravam próximos um ao outro, e ela conseguia até sentir o arfar do peito dele em suas costas e o ar dos pulmões na raiz do cabelo. Todas as vezes em que ele discursava e a fazia calar, com os olhos brilhando e o coração batendo nas amígdalas. Quando ele disse que ela sentiria falta das conversas e ela teve certeza de que a única falta seria a dele. Do abraço nos reencontros e despedidas. O sorriso. A presença.

Ela não tinha idéia de quando teve a sensação de que sua presença não era mais tão agradável a ele, e passou a esquivar-se. Não olhava nos olhos (o contato visual era íntimo e ela acreditava que dizia muito do que ela não queria mais que ele soubesse). Evitava lhe falar quando chegava, quando ia embora. Mantinha o corpo longe quando beijava seu rosto, refutando o abraço. Não conseguia sorrir. Não conseguia mais suspirar. O peito doía e o pescoço ficava tenso. O pensamento vazio.


Ela nunca foi do tipo que gostava muito, e de muitas pessoas. Tinha poucos preciosos, mas quando amava, desconhecia orgulho. Era desse jeito que ela sabia amá-lo. Achava tão injusto não poder ficar perto dele. E sentia-se ridícula por importar-se tanto (e ainda) com alguém que parecia não fazer o mesmo em relação a ela. Não entendia o porquê. Decidiu que iria esquecer. Resolução de ano novo.


Abriu os olhos. Foi até a porta. Colocou a mão na bolsa à procura das chaves e encontrou, embrulhado, o chiclete que ela tinha mascado durante seu último encontro, e estava guardado lá desde então. "Simplesmente porque é assim que a gente faz com a nossa própria existência: não entendemos nada, mas continuamos insistindo". Suspirou. E guardou o chiclete de novo no lugar de onde o havia tirando.

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