domingo, 6 de abril de 2025

Sobre o que eu escondia assim, tão descuidado


Como você pôde não perceber o que eu escondia tão descuidado?

Recebi uma foto sua essa semana. Recebi justamente porque nunca escondi o que eu sentia por você - exceto de você. Mas eu escondia tão descuidado que me parece impressionante que você nunca tenha notado.

Tenho certeza de que meus olhos gritavam a todo momento o meu desejo de estar na sua presença. E sim, eu te falei sobre isso. Por mil vezes te contei meu sentimento através das letras de músicas que compartilhava. Todas eram para você - todas as que falavam sobre amor. E medo. 

Eu me lembro de ter chorado doído, sozinha, a quilômetros de distância de você, enquanto me olhava no espelho. Os olhos vermelhos me olhando de volta, perguntando se você não seria capaz de me amar, nem por um segundo, nem por um instante, nem por um único pequeno aspecto meu que pudesse te causar admiração. Já seria suficiente pra mim. A dor contraindo meu estômago, me jogando no chão. E eu entrava embaixo do chuveiro imaginando que a água escorrendo pelo corpo também lavasse o sentimento de mim.

Me lembro de estar sentada um bar com um café na mão, a tarde fria congelando meus ossos. Acompanhada, mas me sentindo totalmente perdida e sozinha, enquanto a música ao fundo ecoava meu sentimento "como eu queria que você estivesse aqui...".

Nunca tive coragem de te contar. Você era lindo, radiante, inteligente, valioso. Valioso porque sempre me pareceu único, e especialmente difícil de obter. E pior do que nutrir me sentimento em silêncio, seria te contar sobre ele e ter a certeza de que jamais estaria contigo - então eu segui fantasiando, e contando para mim mesma que em outro tempo, outras circunstâncias, em outro mundo, talvez eu soubesse as palavras e atitudes corretas, que me fizessem finalmente encontrar o caminho até o seu coração.

Sobre a pré-adolescência



E aí que todo ano, um pouco antes de “aniversariar”, eu fico reflexiva. Deve ser algum tipo de alinhamento de planetas, reavaliação de vida, ou até mesmo a quaresma, mas o fato é que nos últimos dias eu me peguei mergulhada numa nostalgia profunda, chorando enquanto ouvia a playlist de pop hits dos anos 2000. Pois é.

Aproveitei essa vibe (e a terapia) para chorar as pitangas (gíria idosa detected). Em um desses encontros, falei sobre o quanto minha pré-adolescência foi desafiadora, o quanto eu não me encaixava, e quantas vezes eu fingi gostar de alguma coisa para “ser aceita” (história da vida de quase todo mundo por aqui nessa fase, imagino eu). E eu seguia respondendo que meu Backstreet Boy favorito era o Brian, quando na verdade o mais lindo de todos (aos meus olhos míopes e astigmáticos) era o Howie D. da fase long hair boy, justamente porque se parecia com os rockeiros dos anos 80, por quem eu era totalmente ensandecida. Além disso, eu também não era (sou) uma pessoa exatamente interessante – meus pais raramente me deixavam sair de casa, e muitas vezes eu me perdia fantasiando e inventando histórias unicamente para “não ficar por baixo” ao ser a única sem assunto nas rodinhas de amigos (o que, olhando agora, me pareceu bem deprimente).

Felizmente, essa fase durou bem pouco – aos 16 anos, com curso preparatório, escola e “estágio” das 8h às 17h, acabou me faltando tempo para ser triste. E a vida foi tomando seu caminho...

Apesar de parecer, à primeira vista, ter sido uma fase de sentimentos ruins, essa reflexão me levou a viver ótimos 20 dias de nostalgia, durante os quais busquei notícias de muita gente querida daquela época. E apesar de hoje estarmos fisicamente separados, consegui matar uma saudade enorme – percebi que às vezes a gente não sabe o quanto sente falta de alguma coisa até reencontrá-la.

E estes foram os melhores 20 dias que eu poderia ter tido em pleno inferno astral. Foram também a oportunidade de ressignificar e entender que não existem momentos bons ou ruins. Tudo é fase, é aprendizado, e não fosse por tudo o que vivi (não só quand
o jovem, mas durante toda a vida), e pelas pessoas que conheci, eu não teria me tornado quem sou hoje, e provavelmente não teria a vida que eu tenho agora (e pela qual, particularmente, sou muito feliz e agradecida).

Então pedi pra minha mãe resgatar algumas fotos antigas – queria ter feito mais registros dessa época, mas feliz, ou infelizmente, aqueles não foram anos em que dispúnhamos (ou éramos atados) à aparelhos digitais. Ainda assim encontrei essa foto.
Essa era a minha turma, e eu amei (e amo!) muito cada um deles (obviamente falta muita gente ainda nessa foto). Foi essa turma com quem eu convivi diariamente naquela fase crítica da vida durante a qual estamos moldando nossos valores, nos descobrindo no mundo. E hoje, olhando em retrospecto, consigo identificar facilmente na minha personalidade, jeito de agir, sentir, encarar e ser, o que cada um deles me ensinou, e que eu levo no coração e na alma. Pra sempre.

Muito obrigada, pessoal, por cada vivência, cada lembrança, cada risada. Meu desejo para hoje seria poder acordar para viver só mais um dia daqueles com vocês. Não importa qual. Eu fui feliz em todos.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Sobre o meu Natal favorito


Nessa semana ouvi minha prima dizer "que época mais chata é essa das festas de final de ano". 
A princípio, a declaração me causou estranhamento, e foi potencializada pelo fato de ter sido proferida por uma das pessoas mais sensatas e gentis que conheço. Parei por um segundo em silêncio e ela, como que percebendo meu choque, se apressou a explicar: "brigamos o ano todo, e agora somos obrigados a ficar juntos".

Compreendendo o ponto de vista de minha prima, que fez todo sentido quando contextualizado, comecei a pensar nos meus últimos Natais.
Tantas noites enfadonhas, sonolentas, tediosas, sem sentido ou significado. Desejando voltar para casa o mais rápido possível para aproveitar meus livros e filmes de conforto, tradições criadas ao longo da minha vida e compartilhadas apenas comigo mesma.

Meus melhores Natais foram os da infância. Com meus avós, os pisca-piscas, mesas fartas e risadas. Família reunida com um propósito. Depois que fiquei mais velha e Papai Noel deixou de visitar nossa casa, que já não tinha crianças, as coisas foram perdendo um pouco o brilho. Meus avós partiram, a família se dissipou e meus Natais se resumiram ao nosso pequeno núcleo familiar, cheio de saudade dos que já não estavam mais conosco - mesmo aqueles vivos. E essa época se tornou melancólica e triste, pois a toda ceia ficava imaginando se aquelas poucas pessoas ainda estariam conosco no próximo ano - e assim comecei a reforçar um luto antecipatório que já dura 12 anos, apesar de toda a terapia.

Pensando nos meus últimos Natais, um me salta à memória por ter sido o mais feliz - e solitário.
Meu pequeno núcleo familiar enfrentava uma crise, e estávamos sozinhos em casa. Um jantar simples foi preparado, e aguardávamos a meia noite para ceiar. Como éramos apenas nós, não havia necessidade de grandes produções pessoais e estéticas para impressionar. Então coloquei meu pijama, me deitei e comecei a assistir "O Estranho Mundo de Jack".
Minha cachorrinha, Pity, uma vira-latinha de 17 anos que estava comigo desde os meus 08 estava deitada na caminha, no chão do meu quarto. Há dois meses atrás tinha recebido o diagnóstico de um problema renal e nosso veterinário nos preparou para o que viria pela frente: ela não teria mais muito tempo.

Então lá estava eu, sozinha, ouvindo o dom da TV da sala distante, observando aquela pequena vida que tinha sido minha companhia amada boa parte da infância e adolescência, e pela qual eu me sentia profundamente responsável. Ouvia as canções do filme de Tim Burton ao fundo, enquanto a observava respirando sob as luzes de led que enfeitavam o quarto, e eu sabia que sentiria uma falta pungente de ver o peito dela subindo e descendo calmamente. E a única coisa que passava pela minha cabeça, em referência a Last Kiss, da famigerada Pearl Jam, é que eu estava encontrando o amor que eu sabia que perderia. Então eu sorvi cada segundo daquela noite, e a paz, a gratidão por estar com ela, por prover conforto e cuidados foi tomando conta de mim.

Neste ano, meu primeiro frequentando com afinco a doutrina kardecista, estando em comunhão com O Mestre Jesus e tocada pelo trabalho magnífico da série The Chosen, que me fez apaixonar profundamente pelo Amor de Deus, decidi que faria sentido repetir esse recolhimento. E assim o fiz - no meu quarto, vendo meus dois cachorros deitados perto da minha cama dormindo tranquilamente, assisti o Quebra-Nozes e pedi para que Deus concedesse essa mesma paz a todos que precisem dela. E sabe de uma coisa? Percebi que nunca perdi amor: ele estava o tempo todo dentro de mim.

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Sobre o vazio da procura inútil


"Depois do enterro de (sua mãe) Maria João de Deus, em 29 de setembro de 1915, o garoto (Chico Xavier) teve de esticar as pernas para acompanhar a madrinha. Na volta do cemitério, ela não encurtou os passos para andar de mãos dadas com o afilhado, como fazia a mãe dele. Ofegante, o menino alcançou Rita, mas o esforço foi um desperdício. Sua mão ficou balançando à procura dos dedos da madrinha.
– Ainda hoje sinto no braço a sensação do vazio, da procura inútil – lamentou Chico, 65 anos depois, já conformado."

As vidas de Chico Xavier - Biografia Definitiva.
Marcel Souto Maior

sábado, 1 de janeiro de 2022

Sobre a morte que não é capaz de apagar uma vida


Meu avô nos deixou nesta última semana do ano, parece-me que aproveitando-se do período de encerramento de ciclos. Ele partiu depois de um problema de saúde inicialmente simples, mas que, a meu ver, foi o único argumento que ele precisava para desistir de sua existência terrestre depois da partida da minha avó há dois anos. Apesar de ele não falar muito sobre ela neste período, sei que 60 anos não são 60 dias e que a ausência dela o impactou profundamente.

Um mês antes de adoecer ele contou ter sonhado com ela, e que ela parecia feliz. Do mesmo modo durante o adoecimento, ainda muito lúcido, dizia vê-la no quarto, sorrindo. O mesmo aconteceu no hospital, quando ela o acompanhava nas internações. Acredito que ele sabia que sua missão estava se encerrando e apesar de todos os dias pedir alívio a Deus, imagino que ele ainda tinha medo do momento da despedida, motivo pelo qual pedia todos os dias para que a porta do seu quarto ficasse sempre bem aberta.

Algumas vezes eu o observava dormir apenas para me certificar de que ele respirava. E em outras eu ficava olhando de longe seus olhos atentos e os lábios que se mexiam em resposta a algo que eu não era capaz de ver.

Quando percebi o curso que sua doença estava tomando, não sinto arrependimento ao lembrar do meu desespero frente à resignação e entrega em seus olhos, e implorava, com o coração apertado e a voz alterada, para que ele se esforçasse para levantar da cama, que pegasse a viola, que lesse comigo a bíblia que tinha sempre em mãos. Sua única resposta era me pedir perdão por ser fraco - embora tenha vivido como um verdadeiro herói durante todas as batalhas que enfrentou para cuidar de sua família.

Eu fico imaginando se suas visões descontruíram, nos passos finais de sua jornada terrestre, o que acreditou a vida inteira baseado em sua religião. Será que perceber minha avó, sua companheira de uma vida, ao lado dele, o ajudou a desapegar-se e despedir-se?

Espero de todo o coração que sim, porque em nenhuma das despedidas que sofri eu fui capaz de ver tantos sinais. Seja no neto de 3 anos que perguntou, horas antes de sua partida, quando já estava inconsciente, se era verdade que o avô havia nos deixado. Ou na luz da varanda de casa que se acendeu dois minutos antes que eu recebesse a notícia (aquela sobre a qual sempre brigávamos para que ficasse desligada por causa do aumento da conta de energia).

Mas a mais bonita de todas é a imagem que quero levar para sempre em minha mente, seja verdadeira ou não. Para ela, eis um contexto: em sua juventude, ele e minha avó construiram com as próprias mãos uma casa da qual saíram a contragosto em razão da dificuldade que suas escadarias provocavam frente às limitações da idade avançada. Foi nesta casa que passei todas as minhas férias escolares, na qual deposito a maior parte de minhas memórias afetivas, e onde inúmeras vezes eu fui convidada a me juntar a eles na varanda para, sentada nas poltronas, observar a chuva chegando. 

Foi um desses lindos temporais de verão que caiu no exato momento em que seu corpo era deixado em repouso ao lado do de minha avó, como eles sempre desejaram. Neste mesmo dia, mais tarde, recebemos a ligação de uma vizinha da antiga casa contando emocionada que, ao passar correndo por ela para fugir do temporal que se aproximava, pode ver meus avós na varanda, juntos, observando no horizonte, como tantas vezes fizeram durante toda a vida, a chuva que se aproximava.

A morte, apesar de tê-lo roubado de nós, não foi capaz de apagar sua vida. As cordas da viola caipira já não vibram, mas sua música continuará ressonando em meu coração para sempre.

domingo, 23 de maio de 2021

Sobre o Lado B daquela viagem à Ponta Grossa


Esta foi minha última viagem "de verdade" antes da pandemia surgir e trazer todo esse pesadelo que temos vivido.

Eu teria a oportunidade de passar um final de semana com a Paty, uma de minhas mais queridas amigas. E ambas atravessávamos aquele período em que se reaprende a viver depois de enfrentar experiências difíceis. Era a oportunidade de exorcizarmos nossos demônios.

E de certo modo a tarefa não parecia difícil, a começar pelo nome do atrativo: "Buraco do Padre", que ficava vizinho à "Fenda da Freira". Localizados na cidade de "Ponta Grossa", na região Sul do país, que é na minha opinião, o lugar onde mais se concentra gente bonita e com sotaque gostoso de ouvir por metro quadrado. E o plus: eu tinha um crush antigo no guia que nos acompanharia. Sim, eu estava ansiosa. Mas de um jeito bom.

Começou comigo e a Paty nos encontrando com um quase atraso numa sexta-feira à noite, depois de trabalhar durante todo o dia. Tivemos a oportunidade de elogiar o novo corte de cabelo uma da outra por 5 minutos antes de cairmos em sono profundo na poltrona do ônibus que nos faria chegar ao interior do Paraná na manhã seguinte.

Depois de 3 anos fazendo este tipo de viagem (ouso dizer todos os meses), posso afirmar que considero dormir no ônibus algo confortável. Não digo o mesmo de viagens de avião. Essas são um inferno. As vezes penso nos países distantes que gostaria de conhecer um dia, e um grande sentimento de desânimo me abate quando lembro do sofrimento do trajeto necessário até lá. Pois bem, se dormir no ônibus já é algo corriqueiro pra mim, por outro lado acordar no destino no dia seguinte, com o rosto oleoso, sem escovar os dentes e com 40 pessoas ao seu redor em um ônibus fechado, de vidros suados, é algo com que jamais me acostumarei (sobretudo em um mundo pós-covid-19).


Talvez tenha sido esse desconforto (ou o nervosismo que sentia enquanto o dito crush repassava [pelo menos 5 vezes] as orientações sobre o que deveríamos fazer com nossa bagagem antes de mudarmos de transporte) que me fizeram iniciar uma série de piadas (sem graça e sem fim) que foram percebidas e irritaram a maioria das pessoas presentes, e como lição de vida (talvez por intervenção divina) causaram uma das maiores vergonhas daquele final de semana. Mas voltemos pra cá mais tarde...

Foi um dia gostoso. Ensolarado, mas não muito quente. Com trilhas, cachoeiras, araucárias por todos os lados, restaurantes pitorescos com cara de fazenda onde com certeza mora uma vó, e um curral de ovelhas deveras bucólico. Fizemos trilha, tiramos fotos, debochamos de pessoas, tiramos mais fotos, gravamos vídeos (que têm me ajudado a sobreviver durante a quarentena) e evitamos a água (por frio e também por estarmos vivendo "dias não-úteis" do mês). A cereja do bolo era o calorzinho no coração toda vez que olhava para o crush e, às vezes, percebia o olhar dele de volta (claro que, no caso dele, o monitoramento tratava-se de algo puramente profissional e não infectado por intenções duvidosas como as minhas - uhh).

Tudo correu bem. O Buraco do Padre é lindo (e frio). A Fenda da Freira um pouco claustrofóbica, cheia de teias de aranha [comentário infame, mas honesto] e de difícil acesso (mentira: a parte mais desafiadora pra mim foi descer a escadinha de 5 degraus de costas, puramente pelo medo da altura de 3 metros, no máximo). Mas o que me causava ansiedade (e minhas famosas borboletas no estômago) era a noite (TODO MUNDO ESPERA ALGUMA COISA DE UM SÁBADO À NOITE), quando jantaríamos todos juntos (e normalmente quando coisas malfeitas acontecem em situações nas quais jovens se reúnem longe de casa).

Aqui abro um parêntese: com todos esses termos atuais para definir a orientação sexual das pessoas, me atrevo a dizer que talvez eu seja demissexual. Eu vejo corpos, considero-os bonitos, mas só sinto algum tipo de atração ou desejo por eles a partir do momento em que os atribuo algum significado - normalmente quando passo a admirar alguma característica de seu dono. E depois de alguns encontros agradáveis, havia muito que eu admirava naquele crush.

Eu me sentia ansiosa naquela noite. Apesar de saber que nada aconteceria porque seria totalmente antiético (meu crush estava a trabalho) e eu jamais (ninguém comete o mesmo erro pela segunda vez) seria a sem noção a forçar alguma coisa. Mas minha vontade de viver depois de alguns meses tristes me fazia sentir o rosto quente enquanto o observava andando perto de mim. À medida que a noite se aproximava, eu tentava ser charmosa, misteriosa e parecer inteligente pra ter pelo menos um tiquinho só da atenção dele.

Mas como este texto faz parte da minha série LADO B, é de esperar que as coisas boas duraram muito pouco: chegando ao hotel, enquanto todos retiravam suas malas da recepção para subir aos quartos e se prepararem para o jantar, minha primeira triste constatação: no meio de todas as minhas piadas da sessão da manhã, entendi pouco (ou nada) sobre as orientações e deixei toda minha bagagem no ônibus. A segunda constatação: o ônibus não estava no hotel. Estava na garagem. A terceira constatação: a garagem ficava do outro lado da cidade. Tomada pela vergonha, e querendo ser o mais discreta possível, tentei resolver o problema diretamente com a recepção, o que obviamente não funcionou. A solução: acionar o crush e confessar, com minha cara não-lavada cheia de terra da trilha da qual tínhamos acabado de retornar, toda minha falta de atenção. Senti que tinha deixado minha dignidade dentro do Buraco do Padre naquela tarde.

Sem demonstrar nenhuma compaixão, me oferecer um abraço ou um consolo carinhoso, ele pediu ao motorista que abrisse o ônibus na garagem, e que eu chamasse um Uber. Quando começava a me encher de esperança pela viagem até lá (ele sentaria ao meu lado e seguraria minha mão?), o carro chega, eu entro, a Paty entra, o motorista entra, e ele fica pra trás, observando da escada em frente ao hotel. "Ué, você não vai com a gente? Não, eu preciso me arrumar para acompanhar o pessoal no jantar". E foi assim que terminei minha noite de sábado [pelo menos pensei que seria]: envergonhada, suja com todas as teias de aranha da Fenda da Freira, passando frio dentro de um Uber que rodava por Ponta Grossa, e acompanhada não do crush, mas da Paty, do motorista do ônibus, e também do motorista do Uber (que foram muito gentis nos ajudando).

Pegamos nossas coisas na garagem escura enquanto a Paty tentava organizar suas vontades contraditórias de me xingar e de fazer piadas sobre mim. No retorno ao hotel, já sem ânimo para jantar (mas ainda assim com fome), tentamos encontrar outro restaurante (chegar ao fim do evento seria mais uma vergonha), mas como não fomos bem sucedidas nisso, entramos e nos sentamos na ponta da mesa onde todos estavam reunidos animadamente, com os pratos já vazios à frente.
Quando nossos hambúrgueres chegaram, o crush insistiu que pulássemos algumas cadeiras para comermos perto dele. Sentindo a esperança retornar ao coração, me arrastei pra perto, só pra receber o nocaute: um bichinho roliço, gorducho e verde se movimentando no meio da alface no prato.

E foi assim que me tornei a exceção à regra e deixei de esperar qualquer coisa de sábados à noite. Desculpe, Lulu Santos.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Sobre a espera


A maior parte dos meus textos tem sido um registro de tudo o que senti desde que o conheci, e as coisas que este sentimento me levou a fazer, ou em um sentido mais profundo, ser.

Eu nunca me dei conta de maneira tão explícita a respeito do significado de ter arrastado, durante mais de 10 anos depois do nosso primeiro encontro, o pensamento até você periodicamente.

Não digo que pensei em você diariamente neste período. Por anos, ou meses, consegui me dedicar a outras tarefas ou pessoas, mas é unanimidade que em todos os momentos escrachadamente felizes da minha vida, eu tenha imaginado como seria tê-lo compartilhado com você.

Você foi, sob todos os aspectos, a pessoa que menos encorajou o modo como me sentia em relação a você mesmo. E ainda assim, aqui estou eu, sentada escrevendo enquanto penso em no mínimo 5 possibilidades de não permitir que minha vida acabe sem que eu tenha tocado meus lábios nos seus depois de inspirar profundamente o perfume do seu pescoço.

Eu poderia simplesmente te procurar e dizer tudo o que sinto. Mas acredito que mais uma vez você usaria todas as teorias que conheço bem para racionalizar o modo como você me afeta. Ou poderia me julgar por mentalmente instável. Mas eu sei que a existência de uma ciência que explique este sentimento não o torna menos real.

E na verdade eu concordaria com você: preciso de terapia para aprender a lidar melhor com o desespero que me toma (nos últimos meses com certa frequência) quando penso na possibilidade de nunca mais poder tocá-lo. Esta esperança tem sido o que me faz continuar. Que vida vazia ela seria sem isso.

Eu não sei que tipos de realizações você alcancou até agora, com quem está se relacionando ou qual seu momento de vida. Mas isso não muda em nada a certeza de que quando nos encontrarmos novamente, este encontro será como o primeiro que tivemos (talvez você não se lembre deste momento que insisto em evocar sempre: você em pé sozinho, organizando seus papéis enquanto eu me impressionava com sua altura. Você notou minha surpresa naquela noite? Talvez sim porque em meio a outros 20 desconhecidos, se aproximou de mim para fazer uma pergunta trivial e me assustou com a proximidade do seu rosto, me levando a dar um passo para trás e me arrepender instantaneamente pela grosseria).

Até que este novo encontro chegue, eu continuarei aqui escrevendo para encurtar a espera. Que você possa tomar conhecimento destes textos um dia. Eles são minha prova irrevogável de que nunca deixei de pensar em você desde que fomos embora, sem ao menos nos despedir.