Sobre o padre que nunca mais foi a praia
A @ana_lucca (hê-hê) e eu vivemos a mesma vida durante 21 anos. Frequentamos os mesmos lugares, fomos a shows das mesmas bandas, moramos no mesmo bairro, rezamos na mesma igreja, compartilhamos os mesmos amigos, escolhemos o mesmo curso de graduação e só nos encontramos quando fomos parar no mesmo hospital (felizmente, a trabalho!). Parecia que estávamos predestinadas a nos conhecer.
Engraçado como as coisas são, né? Dia desses, jogando conversa fora, descobrimos até que apresentavamos comportamento desafiador-opositivo direcionado a um mesmo homem, um santo homem, diga-se de passagem: o padre de nossa paróquia (incrível ele jamais ter suspeitado de uma conspiração).
Mas a Aninha, que tem uma característica desafiadora muito mais eminente do que a minha e que também costuma fazer coisas das quais até Deus duvida, não me superou nesta fase pecadora da vida.
Aos 14 anos, me deliciava durante os primeiros meses do ensino médio. Tão empolgada com as pessoas mais velhas na escola, as festinhas, as novas responsabilidades e o modo como os alunos do ensino fundamental me olhavam - me sentindo uma-nova-pessoa-quase-que-adolescente. Mal me lembrava da igreja que frequentei fielmente desde os 6 anos. Fiz catequese, fui coroinha (sim...), me crismei, dei aulas no catecismo, depois participei do grupo de jovens e frequentei as missas e grupos de oração semana após semana. Até que um dia, nada daquilo fazia mais sentido pra mim (meus questionamentos sobre religião não cabem neste post, então, nos atentemos apenas aos fatos).
Se não me falha a memória, foi nesta época que me livrei de todos os compromissos que tinha na instituição, ouvindo os resmungos do adorável pároco na minha orelha. Ignorava. O que, claro, aumentou o desejo dele em me contrariar. Comecei a alfinetá-lo. Ele não desistiu. Seguimos assim durante alguns meses até que, um dia, tomado de intenso ódio (rs) ou seja lá o que for, ele me deu um sermão (afinal, pessoas como ele são ótimas nisso) na frente de pelo menos dez pessoas. Como tudo o que ele havia me dito não continha fundamento algum - e minha capacidade argumentativa já era algo bem desenvolvido à época, não pude deixar de respondê-lo à altura (e talvez com um pouco mais de crueldade). Minha mãe, coitadinha, esteve à beira de uma síncope ao me ouvir dirigir a palavra daquele modo a uma "autoridade" (Como assim? Minha filha? Não pode ser!). Depois daquele dia, nunca mais o ví. Bem, pelo menos não na Igreja.
Passados alguns bons meses, estava sentada em Santos com alguns amigos. Era uma tarde de sábado no mês de janeiro. A orla estava cheia. Mas ainda assim fui capaz de distinguí-lo: com uma sunguinha roxa (e só isso), caminhando reboloso enquanto molhava os pezinhos na água. Não sei explicar que mágico poder teve meu cérebro para deixar todas as outras coisas como figura-fundo e imprimir a ele características neon - ou talvez fosse apenas a sunga roxa mesmo. C-l-a-r-o que não pude deixar passar: me levantei e corri em direção a ele, esfuziante, aos gritos de "PADRE, PADRE, PADRE!!!". A orla parou. Um silêncio épico tomou conta de todos os banhistas, e as senhorinhas que caminhavam em seus maiôs floridos de repente estavam à nossa volta, olhando-o perplexas. Eu esperava ansiosamente um "Pai Nosso" orado por elas em coro e de mãos dadas. Mas nada aconteceu.
Podia ver o constrangimento nos olhos dele. Engoliu seco antes de me dizer "oi" para logo depois permanecer absolutamente mudo. E a saliva parecia arranhar até o esôfago. Eu sorria regozijante, perguntando cinicamente "Você por aqui?! Que surpresa! Que ÓTIMA surpresa!". Percebi depois de alguns segundos que, além do fato de constrangê-lo, não havia mais motivos para que eu continuasse alí. Apontei então meus amigos - que também o conheciam e acenavam "felizes" a poucos metros de nós. Pensei em pedir sua benção antes de deixá-lo, mas este ato poderia ser considerado uma heresia. Desejei uma boa tarde, virei as costas e... fui embora.
Pode-se imaginar que a notícia foi divulgada por todos os presentes (exceto, é claro, por ele): meus amigos e eu éramos os próprios apóstolos levando a boa nova aos fiéis. Espalhou-se pelos pequenos grupos, depois na comunidade, na paróquia, até virar piada no meio da própria missa dominical: o padre que vai à praia usando uma micro-sunga roxa (para que este conceito fique mais claro, ter 1.85cm e estar bem acima do peso ornava maravilhosamente com o vestuário naquele dia).
Nunca mais nos encontramos. Nunca mesmo. Quase dez anos. Meus pais ainda dizem que esse ser estrovengo pergunta sobre mim quando os vê. Deve tramar a vingança diariamente. Deve imaginar que eu ainda seja aquela pessoa de 1.50cm (e, nesse sentido, não está totalmente errado) e prepara um novo sermão como quem prepara uma tese de doutorado (é, eu tenho tendência a me supervalorizar).
Relembrar aquele dia, além de me fazer rir muito, me faz refletir sobre ele e traz uma certeza absoluta: ele nunca mais foi a Santos.
2 opiniões a respeito disso :
Adorei o seu post mana... você escreve muito bem (Não, não estou falando bem só porque sou seu irmão).
Parabéns pelo blog!
Bjus
Mah.
Kkkkkkkkk... Juro, ri alto lendo seu post.
Amiga, você deveria se tornar escritora, de verdade! Sei lá, tenta uma coluna na Folha.
Você deveria escrever mais por aqui.
De qualquer forma, adorei o "estávamos predestinada a nos conhecer"... como sempre, exageraaaaada! Hahahahaha...
Beijos
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