Eu poderia me acostumar a esta vida de EAD.
Hoje assisti a aula de inglês do meu quarto, com um cobertor jogado nos ombros, chinelos fofinhos e meias multicoloridas, enquanto fazia carinho na orelha da minha cachorra e minha gatinha dormia no meu colo.
Ouvia ao longe a TV da sala e sabia que meu pai estava bem.
Não precisei me preocupar com o horário e nem se havia vaga no estacionamento.
E quando a aula terminou, fechei o computador e pulei imediatamente na cama pra assistir mais um episódio de The Ranch enquanto comia a batata smile que deixei assando e me dava água na boca.
Sem trânsito, sem trajeto, sem formalidades, sem maquiagem, sem roupa apresentável.
Excluindo argumentos políticos, econômicos e humanitários, no geral eu tenho lidado bem com a quarentena. Muito provavelmente porque minha rotina não foi alterada para o modo home office. Na verdade, tenho tido muito mais trabalho do que o habitual na indústria alimentícia da qual sou funcionária há 8 anos. Como fui uma das únicas a não aderir ao trabalho remoto (por motivos de: não quero trazer os problemas de lá pra dentro do meu santuário particular), passo o dia sozinha ouvindo Queen, Janis Joplin e Aerosmith no meu próprio volume, e nem sinto passar o dia por causa da demanda (sempre urgente) acumulada.
Eu poderia viver bem sem toda a pressão das baladas aos finais de semana, e dos "rolês" (eu sou malandra e falo "rolê") instagramáveis obrigatórios no sábado a noite. Dê-me meus livros, meus filmes e séries old school, minha playlist anos 80', um teclado pra escrever, algumas fotos pra relembrar, e três ou quatro amigos para me preocupar.
Aflijo-me com a situação do mundo, das vidas perdidas, da fome, do desamparo, e todas as noites rezo ao meu Deus amigo para que tenha misericórdia do nosso planeta e cesse tanto sofrimento.
Mas hoje eu não vou reclamar. Hoje eu não sou um problema. Meu pai está bem na sala, assistindo TV. Tive um bom desempenho na aula e no meu trabalho. Estou gozando o prazer da minha própria companhia no meu quarto. Eu diria que aprendi um novo jeito de viver nestas últimas semanas, mas na verdade eu sempre soube que este era o meu modus operandi de tocar a vida. E me sinto completamente adaptada e familiarizada a ele neste momento. Espero que depois que as coisas voltarem ao normal (se for possível voltar ao normal após uma vivência como esta), eu possa continuar aqui.
Mas nisso eu só vou pensar mesmo quando for preciso. Hoje eu tenho apenas coisas a agradecer. Aqui sozinha no meu quarto.