Sobre os encontros

sábado, 21 de novembro de 2009

Sobre os encontros


en.con.tro
sm (der regressiva de encontrar) 7 Junção de pessoas ou coisas que se dirigem para o mesmo ponto ou se movem em sentido oposto.


DO TRÂNSITO.

Ela desceu do ônibus e o viu no carro, do outro lado da avenida. Esperou para atravessar enquanto apertava o botão compulsivamente. O coração batendo entre as amígdalas.
Depois foi a vez dele. A notou enquanto o vento fazia a cabeleira dela machucar o rosto, de tanto que soprava. Escondeu-se, encolhendo-se no carrinho minúsculo e vermelho atrás do ônibus da faixa do meio.
O semáforo ficou amarelo. Ela quis voltar para o ponto de ônibus. Seria ridículo, mas não cruzaria o caminho dele (mais uma vez), mesmo que fosse só pela faixa de pedestres. Claudicou, respirou, voltou.
Os segundos antes do farol finalmente ficar vermelho pareceram uma eternidade enquanto o estado confusional dificultava a tomada de decisão. De ambos.
No meio do estupor, ouviu-se a cantada de pneus. Era o carrinho vermelho, com um motorista vermelho, posicionando-se à frente da faixa. Ela respirou aliviada, como se o agradecesse por isso. E atravessou. Atrás do carro. Era ele quem lhe cruzava o caminho.
Ele, lá dentro, tremia e transpirava mais do que o normal. “Mas ela só tem um metro e meio”, pensou “Que mal poderá fazer?” – ALÉM DESSE.


DA ESCADA ROLANTE.

Ela caminhava, conversava e ria. Ele só caminhava e conversava. Encontraram-se na frente das escadas rolantes. Ela um pouco mais adiantada; ele, alguns metros atrás. Ela desviou o rosto, mas antes disso pode perceber a pressa dele em se livrar de suas duas companhias.
Um pouco acima, ela o via pelo vidro espelhado, subindo três degraus por vez até parar atrás dela. Passou à sua frente e girou num ângulo de 45 graus para que ela entrasse em sua visão periférica. Olhou ao redor com o mesmo cinismo que usou em sua última conversa "franca".
Ela riu e foi para o lado oposto. Ele continuou subindo as escadas. Um degrau por vez.


DO TÉRREO.

Ela ainda o estava evitando. Não quis ir à reunião de despedida.
Aguardou as amigas no térreo, e, quando retornaram, parou mais quinze minutos pra bater um papo. Ele apontou no corredor.
Ela pega o telefone e se afasta do grupo, discretamente. Finge estar conversando.
Ele a vê de longe. A vermelhidão toma conta da sua pele, desde o peito exposto pelo botão aberto da camisa até a raiz dos cabelos. Para no pequeno grupo para dar um último tchau e não consegue. Gagueja demais. Não respira e mal coordena as palavras e seu pensamento.
Sai em direção à rua, mas, antes disso vira-se e lança um olhar de emergência na direção dela. Ela treme.


DO EMARANHADO DE PAPÉIS.


Ela vai até ele para se despedir. E vai sozinha para compensar sua fuga na semana anterior. Não tem orgulho. Ele sabe o quanto ela o ama.
Chega na porta e pede licença. Entra, sorri, senta. Fica cinco minutos jogando palavras que parecem não seguir um fluxo. A conversa não é natural. Ela avisa que tem que ir embora. Ele se levanta, segurando um aglomerado de folhas de papel. Folhas molhadas de tanto suor, que tremem junto com o movimento das mãos. Dá um beijo na bochecha rosada dela. Ela não dá espaço para abraço – seria demais – e vai embora. Mais uma vez.


E ainda há espaço para dizer “não há nada”?

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