Sobre o Lado B "daquela" viagem à Ilha Grande
Eu tenho encontrado nas minhas reminiscências (ui, que rebuscada) uma forma terapêutica de lidar com a tensão dessa pandemia. E com certo sucesso.
Nesta noite, apoiando inocentemente este processo, minha amiga @giselecalderon me enviou um vídeo zuadíssimo gravado durante a viagem que fizemos juntas à Ilha Grande há 3 anos atrás. Fiquei pensando sobre qual seria o nome do distúrbio que sofremos para que ao invés de registros fotográficos bafônicos (como diz a juventude) em águas cristalinas e ouso dizer fluorescentes, tenhamos em nossos HDs vídeos como aquele, impublicáveis. Pensei muito, e não cheguei à uma conclusão satisfatória.
O fato é que, enquanto ríamos por conferência e eu me impressionava com a quantidade de percepções e besteiras que sou capaz de compartilhar em uma conversa de whatsapp, me passou pela cabeça que gente postando foto lacradora de viagem tem de monte por aí (até nós mesmas temos aquela meia dúzia que foi pro instagram depois de uns filtros). Mas o que faz a experiência ser memorável são justamente vídeos como aquele, impublicáveis (mas dos quais sempre teremos um comentário a mais a fazer).
Então, para me beneficiar da minha nova terapia e revisitar aquele feriado, resolvi escrever o LADO B dessa viagem e registrar quantas rosas faltaram naquele mar.
- Eu começo me sentindo especial. Explico: conheci a Gi em um grupo de viagens no Facebook cerca de dois meses antes, durante um feriado tedioso que me fez decidir mudar minha vida imediatamente. Trocamos três ou quatro mensagens e resolvemos dividir um quarto em uma trip (a popular - e meio brega - excursão) para a Ilha do Mel durante o carnaval. Todos sabemos que as chances disso ter dado terrivelmente errado eram astronômicas, afinal, ela poderia ser uma psicopata (ou até onde ela sabia, eu também). Ou podíamos ser ambas muito chatas (vejam que aqui uso o advérbio de intensidade para que ninguém me acuse de não ter pontuado que sou chata, afinal não há como negar, mas não MUITO), ou frescas, ou esnobes, ou detestar carnaval (ou pior ainda: adorar). Mas eu não sei nem como começar a explicar o match e em dois meses eu sentia como se conhecesse a Gi há 10 anos. Por isso me emocionei quando em meio a tantas pessoas neste vasto mundo, ela convidou justo a mim para acompanhá-la durante os 3 dias.
- Primeiramente, não se engane. Não foi nosso espírito aventureiro que nos motivou a fazer essa viagem. Foi a inclusão de pensão completa. Se tinha passeio no pacote? Nem me me lembro. Mas ofereceram café da manhã, almoço e jantar todos os dias.
- Ao chegar em Angra dos Reis a tensão me dominou. Em minha profunda ignorância, queria embarcar na escuna o quanto antes e sair do continente. Não conseguia parar de pensar sobre o triste acidente do deslizamento que ocorreu no réveillon de 2010. Ao desembarcar na Ilha, e tendo notado algumas pedras "peladas" no morro que me causaram arrepios, aliviei minha tensão falando a respeito do meu temor com a Gi "Ainda bem que estamos na Ilha Grande, e não em Angra dos Reis". Menos de 15 minutos depois descobri que aquele morro pelado era o Morro da Carioca e estávamos hospedadas na Enseada do Bananal. Neste momento eu soube que seriam longos três dias (além de lidar com minha ansiedade, precisei controlar a língua e não comentar com meus pais ao telefone sobre o local onde estava, afinal, eles possuem um longo histórico de pedir a ajuda da polícia para fazer com que eu sempre atenda suas ligações. Mas isso é história pra outro post).
- Momento merda: durante divisão dos quartos, que sabíamos desde o início que seriam coletivos, fomos acomodadas em um com uma beliche e uma cama de casal, COM UM CASAL nela. Mas não era qualquer casal. Era O casal mais idiota do mundo. Por sorte eles não pareceram interessados em dormir tanto quanto nós estávamos (e felizmente ficaram acordados fora do quarto).
- O dia foi amanhecendo e o sol NÃO FOI surgindo. E meu humor começou a ficar péssimo. Querendo salvar o feriado, e imaginando que nada mais poderia dar errado, Gi e eu resolvemos nos integrar com a galera. Foi quando tomamos conhecimento da tensão que havia ocorrido naquele mesmo local, com aquelas mesmas pessoas, um ano atrás (em tempo, a fofoca: aquela viagem estava sendo organizada por um casal. A parte masculina do casal usou algum tipo de tóxico forte que fez com que ele ficasse com uma menina aleatória na frente da esposa, com direito a andar de mãos dadas pela praia e tudo o mais. A esposa, vendo aquilo, jogou todas as coisas da menina aleatória na água. A menina aleatória virou a Paola Bracho e resolveu que sua missão de vida era atormentar o casal. E lá estava ela, naquela viagem, fazendo exatamente isso, e por algum motivo estranho decidiu que queria ser nossa amiga). Resumindo, além de correr do deslizamento, a gente também correu para o mais longe possível da Menina Aleatória Bracho e seus amigos, com medo de ter nossos pertences jogados na água também.
- Então, em nossa condição isolada (e em provisória segurança), aproveitávamos a brisa do mar durante o trajeto entre uma praia e outra quando mergulhei de cabeça no clima e comecei a me ressentir pra Gi sobre o fato de ser solteira à beira dos 30 anos. Enquanto minha amiga ouvia pacientemente e tentava encontrar uma solução, um rapaz simpático, garboso e típico Rei do Funk se aproximou e começou a puxar papo. Do nada, e com total liberdade (que eu obviamente não dei) me fez cafuné de um jeito sedutor (amadoh?). Minha reação foi muito natural (por motivos de: 1 - eu estava sendo eu mesma; 2 - eu não percebi as intenções do cara). Pedi que ele parasse porque estava me deixando com mais sono do que eu já sentia (acho que também mencionei ter recordado de que, na infância, minha avó me fazia cafuné na hora de dormir). O confiante e corajoso rapaz ainda fez um elogio (que desconfio não ter sido sincero) ao meu sorriso, que na época era amarrado por um aparelho fixo. De imediato comecei a discorrer sobre os problemas de alinhamento dos meus dentes e todo o trabalho que aqueles ferros demandavam (em especial os relacionados à prevenção ao tártaro e outras coisas nojentas que podem ser encontradas dentro de uma boca). Aquele foi o fim da conversa. Também foi a última conversa que tivemos.
- Foi em uma de nossas paradas na Praia de Lopes Mendes, desejosas de uma foto nas pedras, que iniciamos uma manobra: a de procurar pessoas com nosso biotipo e calcular as chances de se dar mal em uma empreitada roots com base na observação do comportamento dos outros. Resultado: não temos nenhuma foto nas pedras. Mas também não passamos vergonha (as chances eram altas).
- Foi também na Praia de Lopes Mendes que nos afeiçoamos muito à uma moça que estava na trip, a fotógrafa. Nossa amizade, no entanto, durou pouco, especificamente até o momento em que voltamos ao barco e ela foi ao banheiro. Saiu de lá com uma tira de papel higiênico presa na bunda. Não tivemos coragem de contar e ela percorreu a escuna toda fotografando as cerca de 40 pessoas com aquele rabinho branco pendurado e balançando ao sabor do vento.
- Ainda na Praia de Lopes Mendes pegamos ranço de um cara que passou a viagem toda usando uma máscara de cabeça de cavalo e falando coisas sem sentido (que faziam menos sentido ainda porque a máscara não nos deixava entender muito bem o que ele dizia). Por motivos que não sei explicar, revendo os registros fotográficos e de vídeo que fizemos, encontrei pelo menos 5 arquivos dele. Seria o início de algum tipo de sentimento persecutório? Deletei todos (mentira, deixei um pra recordação).
- Segundo dia nublado na Ilha. Das 07h às 23h tudo o que fiz foi reclamar dos R$ investidos naquela viagem. A única beleza que eu conseguia enxergar era "o verde da água do mar, mesmo com o tempo nublado. Olha isso. Não é um verde de lodo. É verde mesmo com o tempo fechado, e Meu Deus, imagina isso tudo num dia de sol". E repete. Ad eternum.
- Na segunda noite na Ilha rolou a festa de aniversário da agência. Era uma confusão de funk, músicas da Xuxa, cabeças de cavalo e pessoas muito maquiadas (enquanto eu usava meu reconfortante moletom velho e desbotado porque o medo de acabar embaixo de um possível deslizamento me dava calafrio - e digo corajosamente que também afetava meu intestino). Mas uma caipirinha de maracujá superfaturada, milhares de docinhos de aniversário e o remix de 30 segundos de B.Y.O.B. (que eu não faço ideia do que estava fazendo no meio daquela playlist) me ajudaram na integração. No final da festa, até tentei cantar algumas letras (mas não sem protestos) e dancei.
- Ok, não foi no final da festa.
- Ok, não foi exatamente uma dança.
- Ok, não foi exatamente uma dança.
- O que aconteceu realmente: por volta das 22h, já com muito sono, e com a barriga cheia de pinga e cajuzinhos, Gi e eu começamos a bocejar e recostar na parede. Foi quando a parte masculina do casal (mencionada alguns parágrafos acima) nos ameaçou dizendo que se continuássemos sentadas, ia nos arrastar até a pista de dança, especificamente para o meio da rodinha. Imediatamente levantamos e começamos a nos mexer (claramente acreditando que o que fazíamos era dançar). E no meio da confusão, sem sermos notadas, fomos dançando de volta para o quarto. ZZZzzzzZZzzzZzz.
- No terceiro e último dia, o que finalmente amanheceu com o revoltante sol mais lindo de todo o feriado, quando já tínhamos as forças esgotadas e uma pequena centelha de otimismo começando a aumentar em razão da perspectiva de voltarmos para casa, saímos para a última aventura da Ilha Grande e por motivos que desconhecemos, nos pareceu uma boa ideia puxar um coro de "Meu Bem Querer" do Djavan com a galera da escuna, o que nos rendeu registros fotográficos estranhos (como este).
- Já no retorno à São Paulo, famintas (sim, mesmo tendo usufruído do buffet no café da manhã, almoço e jantar, além dos sacolés antes do retorno para o continente, quando fizemos questão de experimentar todos os sabores disponíveis na barraquinha), e com uma necessidade enorme de obter algum consolo e conforto, resolvemos investir em um jantar no Graal. E por R$ 21,90 conseguimos desfrutar de um incrível banquete de uma coxinha e um suco ácido (mais um lamento: pelo mesmo valor, teríamos ficado satisfeitíssimas na lanchonete de um certo palhaço aí...).
- Acordei de um cochilo no ônibus e notei que já percorríamos a Marginal Tietê. De imediato sacudi a Gi e nos preparamos para desembarcar assim que o ônibus estacionasse no terminal. Pegamos nossa bagagem e, literalmente, corremos pela rua arrastando as rodinhas enquanto deixávamos as despedidas para trás com medo de que nos dissessem que na verdade a viagem ainda não tinha acabado.
Sobrevivemos. E estamos com saudade.
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