Sobre despedidas

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Sobre despedidas


Ela não vai mais voltar. Eu fiquei sem ela, em pé frente à velha paisagem, observando o caminho que ela percorreu. Eu já não reconheço este lugar sem ela.

Ela morreu com um tubo na garganta, e agora me falta o ar. Ela morreu com o coração implorando repouso, e agora é o meu que se recusa a bater. Ela morreu sem conseguir abrir os olhos, sem conseguir encontrar a voz. E agora eu sinto em meus braços, pernas, garganta e olhos todo o peso das amarras que ela suportou até este momento.

Eu estou imaginando se ela soube que esta era a hora, ou se ainda planejava coisas a fazer. Poucas pessoas são dotadas da grandeza de preparar-se para o fim com coragem, sabedoria e consciência. Eu vejo os chinelos no chão da sala, a presilha de cabelos na estante, as frutas recém-compradas na cozinha e estou certa de que ela desejou voltar pra casa para encontrá-las exatamente no mesmo lugar. Ela não sabia que aquela saída seria a última, que não haveria outro jantar naquela mesa, ou que nunca mais teríamos outra oportunidade de ver a TV juntas no final do dia.

Ela não vai mais voltar. E aquele aceno de cabeça lento, e o esforço para se fazer entender quando desejava que eu voltasse para casa com Deus foram os últimos. Eu não sei quando finalmente a verei de novamente, e essa na minha opinião é a grande angustia da vida. E sua imensa e irônica injustiça foi que ela se despedisse dela exatamente do jeito que não gostaria de viver, cheia de limitações, longe de casa, rodeada de luzes, aparelhos, agulhas, tubos, pessoas estranhas, uma cama que não era a sua. Eu lamento que ela tenha passado por isso. Eu lamento que não houvesse ninguém querido segurando sua mão naquele quarto branco. Eu sinto muito, meu peito está rasgado.

Eu viveria aquilo no lugar dela um milhão de vezes. Eu derramei lágrimas que me queimaram o rosto e pedi à Deus permissão para dividir a dor e a doença, aliviando seu fardo.

Eu barganhei, eu me revoltei, fiz promessas, senti remorso, raiva, tristeza, medo. Mas nada disso foi suficiente. Ela se foi, mas eu sei que não queria ter partido. Deus me ajude, porque eu não sei como me despedir.

Ela fechou os olhos esta noite, e agora eu sinto como se eu nunca mais fosse dormir.

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